Fraudes do leite na Paraíba
Só na Paraíba, o Programa do Leite teve R$ 285 milhões repassados desde 2005 pelo Ministério do Desenvolvimento Social à FAC
No canto da casa
de apenas um cômodo, Esmeralda, nascida há um ano, dorme envolta por um
pano à tarde, e não é porque faz frio — estamos no semiárido paraibano,
na cidade de Boa Vista.
O pano é para
impedir que a menina fique coberta de moscas, presenças constantes,
pois, além do calor, a casa não tem banheiro nem fossa. A família “vai
aqui do lado no mato”, conta a mãe, Silene Ferreira da Silva. Ela tem
mais três filhos, que fazem de Bibita, uma cabra da vizinha, o seu
animal de estimação.
É a miséria de
Silene e Esmeralda que está sendo explorada por fraudes ocorridas no
Programa do Leite no estado, onde 112 mil famílias de baixa renda estão
sem receber o leite do programa desde maio. Naquele mês, o programa foi
suspenso na Paraíba após a Operação Amalteia, da Polícia Federal, da
Controladoria Geral da União e do Ministério Público Federal, descobrir
fraudes como laranjas, adição de água no leite e até de soda cáustica,
para estender sua validade.
Há pouco mais de
uma semana, a PF enviou inquérito sobre as fraudes à 3ª Vara Federal de
João Pessoa: 13 pessoas foram indiciadas — entre elas uma ex-presidente e
uma ex-diretora de Operações da Fundação de Ação Comunitária (FAC),
órgão estadual que coordena o programa, e um técnico da Emater-PB; os
outros indiciados são ligados a indústrias que pasteurizavam o leite
vindo dos pequenos produtores.
Segundo
estimativas da PF, os desvios podem chegar a cerca de R$ 10 milhões. As
fraudes no Programa do Leite, parte do Programa de Aquisição de
Alimentos, um dos que compõem o plano Brasil Sem Miséria, são tema da
segunda reportagem da série que O GLOBO publica desde ontem sobre
irregularidades em programas para o público-alvo do plano.
Só na Paraíba, o
Programa do Leite teve R$ 285 milhões repassados desde 2005 pelo
Ministério do Desenvolvimento Social à FAC. Após a suspensão em maio,
com a Amalteia, o ministério retomou o programa em agosto, depois que o
governo estadual assinou termo de compromisso com a pasta que prevê o
recadastramento dos agricultores fornecedores do leite. No entanto, diz a
FAC, não há previsão de quando a distribuição do leite será
normalizada.
— Com a suspensão
do programa, a cadeia produtiva do leite no estado ficou desarticulada.
Além disso, nos últimos meses, a seca se agravou, o que está fazendo
muito agricultor produzir menos ou se desfazer de vacas e cabras. Boa
Vista e outros 158 municípios ainda não voltaram a receber o leite, e
não sabemos quando voltarão — diz Severino Ramalho Leite, presidente da
FAC.
— Sem esse leite
(do programa), a gente fica só com cuscuz mesmo. Não tem dinheiro pra
outras coisas — afirma Silene Ferreira da Silva sobre a alimentação dos
filhos, que quase não comem carne. Os R$ 184 por mês do Bolsa Família
são a única fonte certa de renda da casa.
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